Eleições em Timor-Leste: Ainda a lutarem pela independência
Por Tim Anderson
‘A independência não é um fim, é o começo da autonomia’ – Kofi Anan, Maio 2002
Representações Australianas nas eleições em Timor-Leste reflectiram os desejos de uma elite. A cobertura das eleições Presidenciais pelos media focou-se quase exclusivamente no candidato pró-Australiano, José Ramos Horta, e em comentários sobre um futuro governo entusiasticamente procurado para uma coligação liderada por Xanana que possa derrubar o corrente parlamento dominado pela Fretili.
O facto de não ter sido traçado a sério o perfil de Francisco (‘Lu Olo’) Guterres, o homem que ganhou a primeira volta das Presidenciais, por nenhum media Australiano devia-nos levar a fazer uma pausa para reflectirmos sobre a qualidade da informação que divulgámos. Ganhar a primeira volta quando tinha como opositor o actual Presidente, o actual Primeiro-Ministro, a hierarquia da igreja católica e a elite Australiana é um grande feito. Mostra que a Fretilin enquanto força para a independência ainda ressoa com muita força no povo Timorense.
Houve bastante especulação nos media sobre possíveis fraudes eleitorais, apontando dedos à Fretilin. Isto foi extraordinário dado o alto nível dos observadores internacionais e a aberta parcialidade anti-Fretilin da autoridade eleitoral. O chefe eleitoral e representante da igreja católica Martinho Gusmão endossou publicamente o líder da oposição Fernando Araújo antes das eleições, depois fez a falsa afirmação de que a votação em Baucau pró-Fretilin tinha sido massivamente sobre-estimada. Observadores da União Europeia desmentiram-no.
Mas quem é Lu Olo? Foi um líder da guerrilha durante todo o periodo da resistência, Presidente do Parlamento durante mais de cinco anos e mantém-se como um leal membro da Fretilin. Mari Alkatiri, o antigo Primeiro-Ministro ultrajado pelos media Australianos, é ainda Secretário-Geral do partido. Assim, enquanto a tentativa de golpe de Estado e a intervenção estrangeira sem dúvida abanaram a confiança na Fretilin, a primeira volta demonstrou que nenhum outro partido em Timor-Leste sequer se aproxima do seu apoio.
Lembrem-se que se formou uma espécie de aliança na altura da primeira eleição Presidencial em Abril de 2002, quando a Fretilin concordou em apoiar Xanana Gusmão, desde que ele concorresse como independente. A única oposição a Xanana veio de Francisco Xavier do Amaral da ASDT (Associação Social Democrata Timorense). A Fretilin já tinha ganho uma maioria absoluta nas eleições em Agosto de 2001 para a assembleia constituinte que se tornaram o primeiro parlamento da nação.
Anterior à crise de 2006, um feito político maior foi a efectiva combinação da visão estratégica da Fretilin de Alkatiri, o carisma de Xanana e a diplomacia de Ramos Horta. Apesar de um pequeno orçamento (aumentou em 2007, com os rendimentos do petróleo) começaram as instituições de um Estado moderno, expandiram a educação, reabilitaram os seus campos de arroz, desenvolveram um programa de saúde muito importante e recuperaram vários biliões de dólares em rendimentos do petróleo e do gás das garras dos Governo Howard.
Alkatiri atraiu a maioria da hostilidade Australiana, particularmente por causa das negociações prolongadas sobre o petróleo e o gás. Ramos Horta era o elo fraco. Detalhei noutros escritos (Timor-Leste: a segunda intervenção Australiana) como ele tentou três compromissos, qualquer um dos quais teria agradado a Howard e a Downer mas que resultava em menos rendimentos para o seu país. Não admira que tenha emergido como o favorito dos Australianos.
Xanana manteve uma indiferença das políticas partidárias, uma postura que ajudou ao seu projecto político maior da reconciliação. Perdoou aos generais Indonésios (apesar da falta de arrependimento destes) e tentou reintegrar antigos membros das milícias nas comunidades locais.
Contudo esta indiferença evaporou-se na crise, visto que indirectamente Xanana apoiou o líder do golpe de Estado Alfredo Reinado e atacou ferozmente a Fretilin. Como Presidente pediu a resignação de Mari Alkatiri, usando um vídeo com uma cópia de um programa nefando da ABC que se baseava na palavra de um aliado de Reinado para acusar Alkatiri de armar um ‘esquadrão de ataque’ para matar os seus opositores políticos, e de já ter assassinado uma série deles. Uma investigação da ONU à crise (Relatório da Comissão Especial Independente de Inquérito da ONU para Timor-Leste’) mais tarde desacreditou esta história.
Contudo, os media Australianos, agarram-se à teoria do ‘esquadrão de ataque’, ganhando algum conforto com a acusação do antigo ministro do Interior e aliado de Alkatiri, Rogério Lobato pelo crime de distribuir armas da polícia a civis. Lobato, recorrendo da acusação, mantém que esses actos foram justificados durante a tentativa de golpe de Estado, quando a força da polícia se desintegrou.
Com o líder do golpe de Estado ainda a monte, mas aparentemente já não mais considerado uma vantagem política ou uma ameaça quer para Xanana quer para os Australianos, as políticas de Timor-Leste parecem ter regressado a uma base de certa forma mais ‘normal’. Mas é um processo político bastante mal-tratado pela violência, deslocamentos e desconfiança.
Ramos Horta pode ainda ganhar a Presidência a Lu Olo na segunda volta. Contudo isto depende mais da percepção dos eleitores do que da habilidade dos pequenos partidos da oposição em canalizar ‘blocos’ de votos, como num sistema partidário baseado em classes. Ramos Horta tem reconhecimento internacional mas Lu Olo é o candidato das ‘bases’. Muitos dos epítetos atirados contra Mari Alkatiri – que era arrogante e que esteve no exílio durante a luta – aplicam-se agora a Ramos Horta, não a Lu Olo. Em qualquer caso, uma Presidência de Ramos Horta seria um obstáculo importante a um Governo liderado pela Fretilin. Os Timorenses estão habituados a ter uma figura de proa, um Presidente não-Fretilin e um Governo Fretilin.
O salto de Xanana Gusmao da Presidência para a política partidária é um caminho muito mais incerto. O seu papel na crise e a sua aberta hostilidade anti-Fretilin hostility danificou a sua própria posição, bem como a da Fretilin. Depois do seu apoio passivo ao golpe de Estado, muita da liderança das forças armadas não confiam nele. A sua tentativa de recriar uma coligação ‘CNRT’, usando a sigla da coligação anterior que incluía a Fretilin, é uma jogada que depende de juntar uma série de pequenos partidos cujo único tema comum é a oposição à Fretilin.
Por um lado, a Fretilin sofreria da sua aparente incapacidade de garantir a estabilidade e das tentativas persistentes de culpar o governo pelo golpe de Estado. A Fretilin pode não ser capaz de reganhar a maioria absoluta parlamentar que teve desde 2001. Por outro lado, a primeira volta das Presidenciais diz-nos que a Fretilin é ainda a maior força política no país. Os seus votos podem exceder os 40% nas eleições parlamentares. A competição será entre uma coligação liderada pela Fretilin e uma coligação menos coerente liderada por Xanana.
Personalidades aparte, nem Xanana nem Ramos Horta oferecem uma estratégia alternativa à Fretilin. Obviamente, ambos participaram em muitas das campanhas lideradas pelo Governo da Fretilin, incluindo aquelas que procuraram trazer novos parceiros para o desenvolvimento (ex. China para o petróleo e gás e Cuba para a saúde). Emergiram algumas diferenças. Ramos Horta tem dito que favorece ‘maiores privilégios’ para investidores estrangeiros, e recentemente propôs uma redução radical nas taxas e impostos para os negócios. Contudo, isto aumentaria a dependência do governo nos rendimentos do petróleo e do gás. Uma sugestão recente de Xanana foi a de romper com a saída controlado dos rendimentos do Fundo do Petróleo. Assim a principal política de partida de uma coligação liderada por Ramos Horta-Xanana parece ser gastar a riqueza do petróleo muito mais rapidamente.
A Fretilin, pelo seu lado, tem um grupo de Ministros com experiência, incluindo o Vice-Primeiro-Ministro Estanislau da Silva, várias ministras de topo incluindo Maria Boavida e Ana Pessoa, uma forte máquina partidária, militância extensiva e tem mostrado as suas capacidades na construção de coligações. Mesmo com uma maioria absoluta parlamentar, a Fretilin recrutou deputados independentes, tais como o Ministro da Saúde (agora Vice-PM) Rui Araújo, a Ministra das Finanças Fernanda Borges, o Ministro da Educação Armindo Maia, o Ministro do Trabalho Arsénio Bano e o Ministro dos Estrangeiros José Ramos Horta para o Governo.
Um governo de coligação liderado pela Fretilin parece por isso vir a ser o resultado mais provável das eleições parlamentares que se aproximam do que uma coligação liderada por Xanana. É também possível o regresso de Mari Alkatiri como Primeiro-Ministro. Apenas não está ainda claro como é que a constelação de forças que depôs Alkatiri reagirá a isto. Levantaram-se expectativas com a intervenção e o golpe de Estado anti-Fretilin. Em particular, parece improvável que Xanana imagine que está a trocar a sua Presidência com o tornar-se o líder da oposição.